Serenata


Porque me dói sem você ficar
Mas hei de morrer se agora for
Por tudo, e apesar de tudo, meu amor

E quero que viva em mim.


Pela decência das flores
E pelo escândalo da beleza e dos amores
Pelo aroma do jasmim


Eu quero que viva em mim...


Pelas tuas antigas rebeldias
E pela idade dessa dor,
Com esperança interminável

Grande Amor

Paixão Carmim

Eu quero que viva em mim.


Encantando a morte com a bandolin
Vamos cuidar da nossa dor
E cantar a decadência dos que te feriram, amor

Eu quero que viva em mim...


...Rubro espelho
Sacrifício Vermelho
Dança sem reparação
ao desenraizamento do meu coração...

Moiro Trovante

Atmadja – Parte 16 : A Tumba


Selena sentiu toda aquela energia se espalhando por ali e a vida que havia se criado subitamente naquele pedaço do deserto. Ela sabia que isso não teria acontecido por acaso. A jovem princesa levantou, e foi correndo em direção a borda do buraco que havia sido feito ali com a explosão do monstro-furacão.
Enquanto Jim, também sabendo o que tinha acabado de acontecer, sentava no chão sujo olhando para a própria espada em suas mãos, estava angustiado e arrependido por não ter feito absolutamente nada para ajudar. A outra jovem, calada e com um olhar triste, segurava com força seus papeis amassados e seguia Selena, caminhando com passos lentos e firmes.

A princesa olhou para o céu antes de olhar para o chão logo abaixo, ela via que nas nuvens estava escrito, subliminarmente, que sua amiga havia os deixado. Selena sabia que era para o seu bem, tinha certeza que ela só havia feito aquilo com a intenção de protegê-los e que, naquele lugar, estaria para sempre parte da essência inesquecível da cigana rubra.
Selena chorava, chorava muito enquanto a outra garota chegava ao seu lado, e com um abraço gentil, chorou junto com ela, lágrimas estas as quais fizeram Moiro despertar novamente e finalmente notar o que aconteceu nos últimos instantes. Ele observava com atenção o novo local onde se encontrava e apenas sentindo a mudança no ar, ele era capaz de saber qual sacrifício havia sido feito e se sentiu mal por não ter previsto isso.

Jonos estava em pé, apoiado no cabo de seu machado sentindo as gotas de água que caíam sobre si e tentando entender o que aconteceu com a moça de vermelho e as jóias que ele vira buscar. O anão era o único dentro das ruínas e sabia que aquilo tudo aconteceu por causa das suas jóias, aquelas que ele vira buscar, ele precisava ter juntado todas elas para ter sua missão cumprida, mas agora a maioria fora destruída e a sua tarefa içaria incompleta.
Contudo, ele encontrara algo mais interessante do que apenas juntar as jóias perdidas de seu povo, ele encontrara pessoas com o destino parecido com o dele, mas mesmo o anão sabendo que seu papel ali seria tentar ajudar os jovens, ele não fazia idéia do quanto seria necessário ao final de tudo que ainda tem por vir.



Melissa estava parada no ar, sentindo como se fosse a pessoa mais inútil do mundo. Resmungava em voz alta a utilidade de ter tanto poder quando não se pode nem ao menos impedir que uma pessoa tenha de se sacrificar para deter uma criatura mundana. Ela não admitia que, sendo uma amazona que viajou tanto e viu tantas coisas deste e de outro mundo, não fosse capaz de causar um mínimo de dano sequer naquela criatura que acabou exigindo o sacrifício de uma aliada. Ela estava envergonhada, voou alto e decidiu que por hora não ficaria junto de seus amigos, precisava meditar, precisava restaurar seu estado de espírito.

Moiro e seu pássaro se juntavam a Selena, e a outra menina, que acabava de se apresentar como Holy, uma sacerdotisa de Khali, que, respondendo ao que o bardo perguntava, contou que estava ali para impedir que certo pergaminho antigo fosse roubado, que ele deveria ser entregue a princesa do reino de Aura, pois estava escrito que só ela poderia ler seu conteúdo.
Ele não hesitou em concluir que a jovem estava com o pergaminho que eles vieram buscar, a pequena Holy sabia quem eles eram e que deveria entregar os papeis para a sua amiga princesa.
Entretanto, a menina revelou que estava ali por outro motivo também. Ela viera para encontrar com o anão guerreiro e entregar para ele as últimas peças da sua coleção.



Jonos, deixando de lado o momento comovente, começou a vasculhar o lugar. Encontrou escadas que o levavam a partes mais inferiores da tumba, ele tinha uma idéia do lugar onde estava, estava prestes a confirmar uma velha lenda de seu povo. Ele se empenhava em olhar tudo que fosse possível, em procurar em todos os cantos até encontrar a prova definitiva que ele precisava para se convencer. Ao encontrar um pequeno pedestal de pedra que tinha uma espécie de lmaparina com sete buracos na sua parte superior, Jonos deixou sair um grito de excitação. Ele encontrara aquilo que seus avôs lhe contaram como lenda há tanto tempo:
A tumba esquecida dos Alkh, uma família antiga conhecida por deter o segredo das forjas mágicas esquecidas. Tudo que ele precisava agora era ativar o mecanismo da tumba que o levaria até os pergaminhos antigos dos ancestrais da família Alkh, e ele sabia como fazer isso, então se apressou em começar a colocar as jóias no pedestal, mas ele falhara em conseguir as três últimas, pois elas haviam sido destruídas junto com o monstro pelo anima de Faeh, e mesmo contendo apenas sete espaços no pedestal, Jonos sabia que pelo deserto todo estavam espalhadas 10 jóias que foram criadas para tal finalidade.
E Era Holy quem tinha as outras três...


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Atmadja – Parte 15 : Despedida...


Os ventos que giravam em forma de cone eram agora uma criatura com vontade de destruição, ao receber ataques das pessoas ali presentes, podia ser visto nos recém formados olhos do monstro uma vontade muito grande de matar, de causar dor, e isso foi sentido até o fundo das suas animas quando o monstro emitiu um som horrendo, algo que não cabia dentro das mentes humanas, e que poderia enlouquecer qualquer pessoa despreparada.
Melissa tinha muita dificuldade para ficar no ar devido à grande força dos ventos da criatura, Faeh com Selena nos braços e Jim haviam conseguido chegar ao solo sem problemas, mas era igualmente complicado se manter firme diante do tamanho e da força daquele monstro desgovernado e seus ventos devastadores.

Começava naquele instante um dos maiores confrontos em que eles estariam envolvidos durante toda a vida.
Faeh colocava todos os seus esforços em tentar curar Selena, seus ferimentos não eram físicos, sua dor era mental, era psicológica, a jovem princesa estava tendo sua mente invadida por aberrações de outro mundo, e graças a jovem cigana, a pequena Selena não caiu em completo desespero.
A criatura era impiedosa, com seus braços de vento atacava furiosamente tudo o que via pela frente, era claro que seu alvo era muito mais do que apenas as pessoas ali presentes, parecia que ela atacava o mundo diretamente, que o monstro queria machucar a própria anima em si.
O pássaro de Moiro refletia esplendor e desenvoltura em seus movimentos, era a única criatura ali que não era afetada pelos fortes ventos do monstro-furacão, junto a isso ele emitia um som agudo e sereno, que aparentemente afetava a criatura e a distraía as vezes, era a única coisa aparente que ele fazia.

Moiro cantava, mas estava sério, ele sabia que Selena havia feito algo muito pior do que os outros ali imaginavam, sabia que corromper algo que já era maligno resultaria em uma criatura capaz de trazer muitas catástrofes e tendo total ciência disso, ele cantava suas músicas mais antigas, todas refletindo seus selos proibidos ao redor do bardo.
As canções faziam com que, de alguma forma, os ventos da criatura diminuíssem sua força ao mesmo tempo que fazia surgir, em torno de todos os seus amigos, uma aura prateada que por vários instantes os deixavam de certo modo invisíveis aos olhos do monstro.



Contudo isso era pouco, Melissa atacava sem parar, mirava nos braços modificados, na espécie de boca desforme que surgiu, mirava nos olhos e mesmo com toda a dificuldade em se manter no ar sem ser sugada pelo redemoinho de ventos, sua mira era impecável.
A criatura parecia sentir todos os ataques, entretanto ela não parava, nem por um segundo sequer, de bater nas coisas, de destruir tudo que fosse possível.

Jonos correu, só ele sabia de um detalhe que os outros ainda não tinham visto, o anão sabia a origem de todo aquele vendaval, e foi direto para lá que ele correu destemido, direto para a caixa brilhante que ficava no solo logo abaixo da base do monstro de vento. A pequena garota que ele deixou atrás das pedras se levantou e com os olhos voltados para Jonos recitou algumas palavras mágicas que ajudou ele a ganhar mais força para encarar a força do vento que aumentava constantemente conforme ele se aproximava da criatura.
Com toda a força que ele conseguiu juntar em seus braços, O guerreiro desferiu um golpe com seu machado na caixa de jóias que mantinha o furacão solto no ar, partindo-a em duas. Por alguns instantes ele ficou caído no chão, meio atordoado com o golpe, mas tão logo recobrou toda a sua consciência, ele foi jogado dali com uma força tão grande que nem os efeitos de todos os feitiços de proteção que haviam sido lançados sobre ele foram o bastante para impedir seus ferimentos.
Por outro lado, todos os outros que estavam vendo a criatura a distância presenciaram uma forte explosão de energia. Surpresos, Melissa, Faeh, Moiro e seu pássaro acharam que finalmente o monstro havia sido derrotado, pois os ventos se dissiparam junto com o surgimento de uma grande nuvem de poeira que se formou por ali.

Selena parecia estar mais calma dentro de si, Faeh a ninava como sua própria filha enquanto cantava para afastar seus temores e mantê-la em nosso mundo.
Quando a dançarina percebeu que a princesa já não estava mais sendo perturbada pelos pesadelos que invadiram sua mente, ela levantou e começou a dedicar sua atenção aos resultados da batalha até então, mas o que ela viu foram ondas de pó vagando no ar e um grande buraco no chão.
No fundo, Faeh via algumas pequenas pedras brilhantes espalhadas pelo chão, das quais emanavam raios de energia e que, aparentemente, estava tratando de absorver o que restou dos ventos que compunham o monstro furacão. Ela achou isso no mínimo, estranho, e correu para dentro do buraco e tentou juntar as pedras o mais rápido possível.

Moiro estava em transe, aparentemente as últimas canções que ele entoou o desgastaram e ele precisava de alguns instantes de meditação para se recuperar. Enquanto ele flutuava em cima de seu pássaro, Melissa descia ao solo levemente, como uma pluma caindo dos céus, respirando aliviada por ter ajudado a derrotar o monstro dos ventos.
Faeh ainda juntava as pedras quando as mesmas trincaram e quebraram, liberando no ar raios de uma energia vermelha. Os cristais fizeram com que o resto dos ventos da criatura que ainda estavam por ali se juntasse novamente, formando assim um novo furacão-monstro, feito da soma da energia das pedras com os restos de vento corrompido.

Jim conseguiu conter suas lágrimas, firmar bem seus pés no solo e com toda a coragem que tinha dentro de si, sacou sua nova arma e partiu em direção a Selena, caso a criatura estivesse vindo em sua direção, ele certamente estaria ali para detê-la.
Chegando ao local onde a jovem princesa havia sido deixada, Jim teve uma grande surpresa, ele viu sua amiga em pé abraçada com outra menina, as duas envoltas por uma aura de anima que claramente as mantinha protegidas. Selena viu seu amigo e correu abraçá-lo, ela sabia que nas ruínas abaixo deles estava o pergaminho da lenda que o ancião lhes contou e que era a chave para o fim dessa rigorosa aventura. Ele, feliz por ver a amiga bem, concordou e sentou-se junto as duas meninas.

Enquanto isso, dentro do buraco, o novo monstro se preparava para expulsar mais ira do que o que acabara de ser derrotado, raios de luz atingiam as paredes de dentro da tumba em ruínas e areia, pedra e restos de madeira voavam por todas as partes. Melissa, ao ver que este monstro era mais perigoso que o outro, empunhou seu arco e começou a mirar para novos disparos, mas notou uma coisa que ia deixar a luta um tanto quanto difícil: ele se alimentava de magia, o que significava que seus ataques não fariam mais nada além de deixar o monstro mais forte ainda.
Aos pés da criatura, Faeh tomou a maior decisão da sua vida, ela sabia que essa criatura não seria vencida facilmente, e que as conseqüências poderiam ser mortais. Então, a jovem cigana sacou seu leque de flores, começou a dançar e a cantar.
Magicamente, plantas e animais começaram a surgir em toda a tumba, todos juntos envolvendo o grande mostro de vento, Faeh com seus magníficos movimentos harmônicos, chamou para si toda a energia que estava emanada ali, tornando-se uma grande esfera vermelha de puro anima, que nascia ali para conter o furacão.

Melissa descia para ajudar a jovem dançarina e Jonos recuperava sua consciência, ambos, depois de alguns instantes, puderam ver que a linda esfera reluzente de anima vermelho, foi capaz de manter dentro de si, toda a energia que havia sido liberada pelas jóias e pela sua canção.
Por final, a esfera dissipou toda a energia mágica que tinha contido e desapareceu com todo o seu conteúdo, enchendo todo o local de vida natural, animais e água. Uma fina chuva de pétalas e minúsculos cristais líquidos caíam sobre as cabeças de todos ali, como um choro, não de tristeza, mas o choro da natureza com a emoção de uma despedida...



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Atmadja – Parte 14 : Encontro



Jonos correu em direção à pequena garota, contudo ela não havia sequer notado a presença de mais uma pessoa naquele local, parecia estar apenas preocupada com um punhado de papel amassado que tinha nos braços...

Moiro melodicamente lhes contara o que havia acabado de acontecer dentro daquela inusitada gruta a qual eles haviam escolhido parar.


"Um besouro celeste,
Mágico, invisível,
Escolhe ao final da sua vida
Presentear uma pessoa
Com seu chifre mágico.

Encantador é o seu brilho,
Assim como aquele que o recebe
Se por assim lhe foi entregue,
Um belo fim espere ter
Pois o besouro escolhe o único
Que Haestiallis merecer”



Melissa parecia não dar muita importância pra historia do besouro, mas ela certamente quis saber o que significava “Haestiallis”. Moiro estava prestes a começar outra canção para explicar, mas Melissa o interrompeu e pediu para que ele falasse de uma vez e não enrolasse com musiquinhas.
E Moiro, olhando pacientemente para a jovem, assim o fez, e explicou que se tratava do chifre afiado e mágico do besouro, obviamente poderia ser usado como arma pelo garoto escolhido até que ele aprenda seu verdadeiro significado.

Faeh acordou entusiasmada com o fim da viagem se aproximando, pois ela finalmente poderia comprovar a versão da história que o velho ancião lhes contara. De certo modo sabia que o pressentimento que tivera noite passada estava correto, e o preço para o fim de toda essa trama com a luneta não seria barato.

Selena estava fascinada com o que o seu grande amigo tinha nas mãos, era um chifre que emitia um brilho azulado, era do tamanho do seu antebraço e não parecia ser nem um pouco pesado. Contudo, ninguém além de Jim podia tocá-lo, fora das suas mãos, era apenas um pedaço de esqueleto semi-invisível e sem mágica alguma.
Jim era quem parecia realmente mudado, alguma coisa nessa historia toda ainda não fazia total sentido pra ele, aquela mágica toda em suas mãos lhe era estranho e com certeza ia trazer conseqüências e mudanças inesperadas.

O anão correu e pegou a pequena nos braços, ela segurou com força os papeis que tinha nos braços, parecia realmente disposta a dar a vida por aquilo.
Contudo, Jonos queria mesmo era saber onde estava sua jóia. Queria pegá-la de uma vez e ir embora, estava enjoado de engolir areia.


Depois de passada toda a empolgação com a história de Moiro e Jim, Melissa apressava todos para que montassem seus grifos e seguissem viagem, pois estavam perto da tal tumba e ela queria resolver logo essa história da luneta, pois esperava um novo e grande desafio no desfecho da jornada dos dois jovens que ela optou por seguir.
Em poucos instantes todos estavam novamente no ar e com toda a sua bagagem arrumada. Moiro ajudou Jim a “lapidar” a base do chifre de modo com que ficasse fácil de empunhá-lo, como uma espada curta.
E entre canções e ventos, eles voaram por muitas horas até que longe no horizonte abaixo deles, eram capazes de enxergar uma construção que os olhos aguçados de Moiro identificaram como um velho mausoléu abandonado na areia.
Entretanto existia lá algo que chamava mais a sua atenção do que o simples mausoléu, alguns metros adiante eles eram capazes de ver um furacão intenso. Faeh tentou desviar a atenção de Selena desse assunto, tentou baixar a altitude do seu grifo e contava para Selena uma historia improvisada.
Selena estava em transe novamente, ela instintivamente queria saber o que era o tal furacão, queria vê-lo, e como se uma mão invisível a controlasse, suas mãos foram até o conteúdo proibido de sua bolsa e sem pensar ela levou a luneta até seu olho direito e olhou para o furacão.



O que se seguiu foi os mesmo instantes silenciosos que eles estavam sendo obrigados a se acostumar, o furacão começou a mudar, começou a ficar mais agressivo, mais intenso, começou a ganhar vida.

Jonos via aquela coisa enorme girar. Ele sabia que ela tinha mudado, e ele sabia que não tinha mudado pra melhor, que ia atacá-lo se continuasse ali, então ele se apressou em por a garota nas costas e correr dali.
Quando alcançou uma distância relativamente segura, ele deixou a menina escondida atrás de umas pedras, sacou seu machado e voltou para encarar a criatura que havia se formado, seja lá qual fosse.




Melissa viu que Selena tinha transformado mais uma criatura e saltou de cima de seu grifo em direção ao solo, eram alguns metros de queda livre, mas das suas costas nasceram duas asas plasmáticas e coloridas as quais a mantiveram no ar levemente enquanto ela sacava seu arco e começava a disparar contra a criatura.
Faeh levou as mãos nos olhos, alcançou Selena e tirou a luneta das suas mãos, a qual caiu de cima do grifo em que estavam, o toque na luneta causou duas conseqüências inesperadas e inéditas para eles: Selena estava desacordada, pois o que ela viu dessa vez, parecia ser muito mais aterrador do que qualquer outro previamente visto, e Faeh tinha ambas as mãos em chamas, pois o toque na luneta em uso, certamente as machucariam de alguma forma, Faeh fisicamente e Selena mentalmente...

Moiro começou a entoar um de seus cânticos, dessa vez em encantamento totalmente diferente de qualquer outro até então mostrado pelo bardo, este não tinha ritmo constante, as palavras eram medonhas e ele parecia estar fora de si. Seu pássaro, até então um pequeno pintassilgo amarelo, em um passe de mágicas se transformou em uma ave gigantesca, parecida com uma fênix dourada e voou em direção ao furacão corrompido enquanto Jim, com medo, tentava se esconder, mas sabia que teria que ajudar a cuidar de Selena, querendo ou não.

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Smaointe




Lembro-me da última vez que estive em Luna, a cidade portuária onde nunca é dia. Cheguei e logo fui procurar uma praça para descansar as pernas, pois a caminhada desde Halen foi um pouco mais longa do que deveria, isso não fazendo menção à distância física, mas sim aos fatos que ocorreram no caminho.
Ali, ao meu redor aconteciam muitas coisas, crianças corriam pela praça seguindo um velho que fazia demonstrações mágicas com fogos, vendedores de frutas e pães, homens que fabricavam brinquedos de madeira sentavam nos bancos para expor seus artefatos, entre muitos outros que pareciam não se importar com a escuridão do local, obviamente, já estão mais que acostumados com a noite eterna.
Toda aquela atividade noturna não me era comum e eu certamente me sentia estranho. O fato de eu estar cansado e a escuridão do céu da cidade aos poucos iam me deixando com sono, aproveitei a ocasião oportuna e me deixei levar, achei uma árvore confortável, subi até uns galhos mais altos, deixei minhas coisas penduradas em um galho e tirei um cochilo.

Despertei quando, inconscientemente, percebi a presença de alguém abaixo de mim. Conforme a sonolência foi me deixando, eu percebi que a pessoa estava soluçando e murmurando baixinho, então olhei na sua direção e vi que se tratava de uma garota, aparentemente com uns 14 ou 15 anos. Enfim, por algum motivo eu me senti tentado a descer e perguntar o que aconteceu que a deixou aflita daquele jeito.
Peguei minhas coisas, coloquei nas costas e saltei de onde eu estava direto para o chão, a garota levou um susto com a surpresa da minha súbita presença ali, mas logo voltou a soluçar de um choro mudo sem dar importância para a minha pessoa.
Aquilo me perturbou ainda mais, o que será que estava deixando a jovem assim?
Sentei ao seu lado no pé da árvore e deixei-a sentir que eu estava ali sendo solidário com os seus sentimentos. A princípio ela não se sentiu confortável comigo ali, mas passados alguns minutos ela deitou a cabeça em meu ombro e começou a conter seu choro.
Depois de um tempo naquela situação, eu resolvi me pronunciar e comecei a contar pra ela a história da minha viagem até ali:



Havia juntado tudo o que eu tinha em Halen para seguir viagem, convivendo com as pessoas eu aprendi muito, mas não foi suficiente, eu queria mais, precisava encontrar alguém que me ajudasse a encontrar meu caminho, a me iluminar e encontrar paz, por isso parti. E meu primeiro destino seria Luna, mas a viagem até lá iria me ensinar muito mais do que eu poderia imaginar.
Caminhei por quatro dias sem nenhum problema, encontrei pessoas normais em seus casebres e pequenas chácaras com pomares e às vezes até criadouros para animais, dormia ao relento sem problemas, pois nessa época do ano o céu nos presenteava com sua beleza limpa e raramente com tempo tendendo à chuva.
Ao partir para o quinto dia de viagem logo ao acordar já me deparei com uma situação incomum, um homem passou por mim puxando uma menina por uma corda, a qual usava um venda nos olhos, a garota parecia imponente apesar das suas condições enquanto seu parceiro tinha um olhar muito triste, algo o deixava depressivo. O casal sumiu nas curvas entre as colinas enquanto eu terminava de arrumar minhas coisas para seguir viagem, mas aquela cena não deixava minha cabeça, mas eu decidi continuar meu caminho sem me preocupar muito com os dois.

Três dias depois, Luna já podia ser vista no horizonte e isso acarretava em certo movimento na estrada a toda hora, portanto resolvi passar a noite em uma estalagem. Entrei na segunda que encontrei, tinha largas janelas pro norte e para onde eu conseguiria ver as montanhas, mas logo que entrei já me deparei com confusão. O senhor que atendia não queria abrir vaga para um casal que estava ali para passar a noite. Coincidentemente era o mesmo casal que eu tinha encontrado naquela manhã no meu quinto dia de viagem desde que deixei Halen. O dono da estalagem dizia que não podia abrir a estalagem para alguém que tinha “os olhos da anima”. Meu avô já tinha me contado essa história, mas eu acreditava que era apenas mais uma de suas fábulas, não imaginava que era de fato uma história real.
Não consegui me conter diante daquela situação e entrei no meio da discussão chamando o casal para dividir os colchonetes ao pé da montanha mais ao norte e conversar enquanto eu lhes mostrava um ou duas estrelas nomeadas. O homem, que aparentava estar prestes a chorar aceitou minha proposta como uma criança para a qual é oferecido um doce. A mulher, por outro lado, parecia indiferente, cega pela venda que usava disse para o homem que poderia ir se quisesse, mas suas pernas já estavam muito cansadas e não conseguiria andar até lá. Quase que imediatamente, o homem pegou a garota no colo dizendo que não teria problema e me apressou para sairmos logo dali.

Andamos por um tempo até eu encontrar um local apropriado para descansarmos e enquanto eu começava a ajeitar as coisas no chão, fui percebendo que a garota tratava o jovem como um servo pessoal, ela era realmente cega e tinha os olhos fundos e pálidos. Contudo, apesar do tratamento árduo, o homem, que se apresentou como Lios, a tratava como sua majestade. Aquilo não me fazia sentido, mas deixei um pouco de lado e comecei a contar para ele a história de uma das estrelas do céu, uma chamada Arjhur.
Deixando de lado a minha historia da estrela, logo que eu terminei, ele resolveu contar uma historia também, a dele e o motivo do homem tê-lo chamado de “olhos de anima”.

Dizem que aquele que olha para o poço sem nome, é capaz de enxergar a anima das pessoas, saber sobre suas tendências e personas. Entretanto, tal poço é uma mera lenda, não existe nada que mude de lugar dependendo do humor dos habitantes e da sua sede por poder. Pelo menos não existia até Lios o encontrar e provar que realmente não se deve desejar ter mais do que suas mãos conseguem segurar.
Os olhos que mergulham em tal poço, ficam encantados com o poder de ver a verdade de qualquer pessoa a sua frente, mas isso depende sempre da interpretação que cada um tira do que lhe é mostrado. Como conhecedor da lenda do poço e de seus poderes, o jovem Lios não hesitou em beber e se banhar das suas águas.
Agora ele decidiu que teria que por a prova os poderes que a fonte lhe concedera, mas ele não sabia a responsabilidade que tal poder lhe traria. Ao chegar em um local com mais pessoas, Lios perceberia o que era capaz de fazer agora. Ele era capaz de ver através da casca que envolve cada pessoa, que por dentro quase todos tinham mais medos, angústias e temores do que alegrias, apenas algumas crianças se salvavam.
Contudo o trauma maior veio quando ele conseguiu ver a si próprio refletido em um lago, ele percebeu sua face negra e deturpada, mergulhou por alguns minutos e tentou meditar, não encontrava conclusões que pudessem vir a purificar os atos que cometera no passado e que, por ser jovem e ávido por força, ele deixou de lado. Quantas pessoas não teve que machucar, quantos lares não precisara destruir, tudo por uma causa infundada de conseguir mais do que jamais teve. Lios sabia que isso não era um desejo errado, mas que errado eram os meios que ele usava para tal.

Assim ele tomou a decisão que deveria pagar por isso, que se ele quisesse ter uma verdade limpa dentro de si, teria que recompensar tudo o que havia feito no passado.
Andou por Halen toda em busca de alguém que realmente precisasse de ajuda, foi onde ele encontrou Asly, a garota cega, era uma garota pobre, da rua a qual não conhecia diversão, pois vivia para ajudar sua madrasta a pedir esmolas e a mostrar algumas habilidades que nenhuma outra pessoa cega era capaz de fazer naquela região.
Aos poucos ele conseguiu a confiança de ambas e havia prometido a ela que a ensinaria a imaginar as cores do mundo, feito este o qual era impossível para quem jamais conseguiu ver qualquer outra cor antes, mas para ele era uma missão sagrada, quase divina e que piamente ele acreditava que iria ser o suficiente para limpar sua anima e o deixar livre para partir.

Asly pegou no sono enquanto trocávamos histórias. E o homem parecia realmente muito arrependido por tudo que havia feito de ruim antigamente e dizia que tudo o que ele queria era finalmente encontrar paz e descansar depois que sua missão fosse cumprida.
Por final ele concluía sua história afirmando que ele nunca poderia descansar em paz enquanto estivesse com a benção do poço e o único jeito de perder tal benção era se ela fosse dada a outra pessoa que aceitasse a responsabilidade de atentar para as pessoas com quem tivesse contato.
Lios observava Asly dormir, ela movia os lábios e sorria às vezes. Eu me pegava pensando em como é que ele conseguiu escolher uma garota tão mimada para tomar conta, era um peso e tanto, e com certeza ele há muito já tinha compensado sua dívida consigo mesmo.

Quando nos deitamos para dormir, a garota Asly levantou excitada com o sonho que acabara de ter, ela cantava alto e abraçava Lios agradecendo e dizendo que viu, que pela primeira vez ela viu algo em seu sonho, ela tinha certeza que era uma árvore, como a que todos dizem, aquela que dá os frutos vermelhos e que balança com o vento. Ela viu.
Pela primeira vez desde nosso encontro, eu vi Lios sorrir, ele estava feliz e merecia perdão. Mas quem há de perdoá-lo sendo que ele não possui amigos, nem conhecidos? Quando ele iria perceber que a própria vida já o perdoou e que com o episódio que acabara de acontecer ele teria recebido a maior prova disso?
Ah, ali estava eu, como se por algum truque de Mérien tudo estivesse armado para que a parcela de cada um na roda que gira o mundo fosse cumprida naquela noite. Eu sorri também, junto com o abraço dos dois jovens, o pecador e a cega, ambos felizes por terem acabo de realizar seus maiores desejos.
Claro que tudo podia ser finalizado perfeitamente, bastava que alguém, no caso eu, ajudasse o homem a se livrar da benção do poço...

Na manhã do dia seguinte, o casal partia em direção a Halen novamente, iriam começar uma vida lá, Lios iria montar uma casa de shows para crianças onde Asly se apresentaria usando lindos vestidos das cores que ela escolhesse e que a cada dia eram mais e mais inimagináveis.
Enquanto eu, bom... Seguiria minha jornada em busca da iluminação agora com uma missão herdada: a missão de querer ajudar todo mundo a encontrar um caminho, assim como Lios e Asly encontraram os seus.



A garota já havia parado de chorar, e empolgada com o final da historia, perguntou se ela era digna de saber meu nome, se podia me contar o seu, e que queria ouvir como era a sua anima.




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